domingo, 6 de julho de 2008


SAUDADE


Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas a amada já...
Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é nao ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.
E esse é o maior dos sofrimentos: não ter por
quem sentir saudades, passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido..."



Pablo Neruda


Cântico Negro

" Vem por aqui"
- dizem-me alguns com olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse.

Quando me dizem: "vem por aqui"
Eu olho-os com olhos lassos
Há, nos meus olhos, ironias e cansaços
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali.

A minha gloria é esta
Criar a desumanidade !
Não acompanhar ninguém.

- Que eu viva com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre da minha Mãe.

Não, não vou por ai! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vos responde,
Por que me repetis: " vem por aqui "?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por ai...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada !
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas , e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos ?...

Corre, nas nossas veias, sangue velhos dos avós,
E vós amais o que e fácil !

Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.

Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe.
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me de piedosas intenções !
Ninguém me peça definições !
Ninguém me diga : "vem por aqui "!

A minha vida é um vendaval que se soltou.
E uma onda que se alevantou.
E um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!

(José Régio)