sábado, 10 de maio de 2014


SE PUDESSE


















Nos teus braços morreria se pudesse
nos teus olhos viveria se pudesse
nos teus sonhos passearia se pudesse
a tua boca, só a tua boca, beijaria se pudesse
com os teus pés caminharia se pudesse
contigo mergulharia se pudesse
me atiraria de um abismo se pudesse
no teu corpo amanheceria hoje e todos os dias se pudesse
seria a tua sombra se pudesse
choraria e sorriria contigo se pudesse
sangraria por ti se pudesse
colheria o lirismo das aves
e o romantismo das pedras se pudesse
o silêncio das montanhas
e a plenitude dos vales
o mistério dos mares
e a tranquilidade dos céus

Ah meu amor por ti morreria se pudesse
e de novo agarraria a vida na forma que viesse
apenas para poder andar de novo ao teu lado
ainda que de encontro ao vento
apenas para te poder ver e sentir
uma e outra vez....
até ao final dos tempos
doesse em mim o que doesse
fosse eu aquilo que fosse!

são reis
10maio14


quarta-feira, 12 de março de 2014

















No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.

Cecília Meireles



sexta-feira, 7 de março de 2014







A PERFEIÇÃO É O BOM, SE ISSO FOR O MELHOR POSSÍVEL

É o que fazemos, o que sai de nós, que nos cria, estrutura e destina. Não será nunca o que nos acontece que nos determina, porque nada do que nos chega de fora pode alterar a nossa essência, sem o nosso consentimento. Decidimos o que somos e somos o que decidimos, sempre. E isso é bom. Somos as nossas decisões. A resposta ao mundo que nos é dado.

Não somos omnipotentes, mas essa condição não nos impede de sermos bons e, dentro da bondade, cumpre-nos ser o melhor que nos for possível, dentro dos possíveis que aceitamos quando nos são dados...

Pode até uma circunstância adversa tornar mais fácil e apelativo ceder à tentação de desistir e deixarmo-nos contaminar por um mal exterior, mas é sempre e só a vontade própria que permite e protagoniza as nossas desgraças. Assim, como também são as nossas escolhas que nos afastam dos maus caminhos e nos fazem avançar pelo melhor.

Não há maior obra humana do que contribuir para a felicidade de uma outra pessoa. Mas, sendo que o mais profundo de cada homem depende apenas de si próprio, importa compreender que a nossa ajuda (sempre externa) não garante coisa alguma, apenas podemos inspirar, partilhar e amar...

Falta a muitos o humilde heroísmo de, amando, abrir o coração ao outro, com confiança e fé, deixá-lo agir em nós... sendo que todos os passos têm sempre de ser dados pelo próprio. Todos. Os melhores e os piores. Apenas eu sou responsável pelo que for feito em mim, afinal, só eu posso deixar esculpir a minha alma.

Aquele cujo coração cumpre o seu dever é feliz. Ser o melhor que se pode é ser bom, e ser bom é ser perfeito, quando se escolhe o melhor.

A perfeição não é impossível, é ser bom, tão bom quanto possível. Ninguém nos pode exigir mais do que aquilo que está ao nosso alcance. Nem Deus, tão pouco nós mesmos, menos ainda os outros... ninguém tem por dever algo acima das suas possibilidades. Fazer o bem é bom. Fazer o melhor possível é... perfeito.

Muitos acham que a perfeição é inalcançável. É-lhes mais fácil pensar que se trata de um patamar apenas ideal, julgam que um esforço para se aperfeiçoarem bastará... e que algumas das suas falhas são traços da sua essência, sem que haja aí possibilidade de perfeição... de onde, não valerá a pena (por mais leve que seja) insistir em aperfeiçoar o existente...
Mas sempre que uma essência não se cumpre, há mal. Nada. Vazio. O mal é esta incompletude: uma distância à perfeição possível... um deserto onde se escolhe degenerar em vez de gerar; abortar em vez de nascer.

Há em mim um sopro que me aquece e ilumina, que me pode fazer voar ultrapassando as montanhas deste mundo... é o que devo ser. O melhor que posso.

Ser perfeito é apenas isso, ser-se o melhor que se pode. Ser perfeito não é ser melhor que ninguém, mas tão-só o melhor possível. A bondade não é uma propriedade dos seres, é a generosidade simples de ser, é a perfeição.

Ser feliz é possível e depende só de mim, na medida em que sou capaz de amar. A estrela que me guia por estre as 




minhas trevas está em mim, assim como o céu que tantas vezes julgo ser de um outro mundo. 


José Luís Nunes Martins
jornal i
1 março 2014



sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014




























Da próxima vez não irei sozinho
guardo-te o pão e o vinho
Acenderei a lanterna dentro do peito
para que veja o caminho
Sorrirei às aves que passam
e soletrarei o teu nome baixinho

Da próxima vez eu adivinho
qual o vinho que te levo
se aquele em que te sonho
se aquele em que sôfrego te bebo

e também qual a música que ponho
se aquela em que te choro
se aquela em que te sonho

Da próxima vez eu juro
não irei sozinho
levarei comigo o muro
que lentamente ergueste
aquele onde escondeste
todas as farpas que me atiraste
todas as setas que falhaste
e todas as que acertaste também

Da próxima vez chamo-te baixinho
à janela dos meus olhos
e ponho-me a jeito
para mais uma farpa no peito
que já é uma ferida
de tanto te amar

Da próxima vez
eu juro
que me vou calar
e só os pássaros me ouvirão chorar!

são reis

270214




























E depois de ventos e tempestades
de me ser em metades
ao invés de ser inteira
a única coisa real e verdadeira
que me sobra
é essa ternura que me soçobra
essa vontade de ser rosa
em pleno inverno
de ser palavra quando apenas
o silêncio basta
de ser muro e ser abismo
de ter asas e poder escolher
entre voar ou ficar

E depois de tudo passado
resta-me esse vento suave
que me passa ao lado
que me abana
sem me fustigar
esse sol que me aquece
sem me queimar
essa vontade de ser chama
e alumiar
quando não sei que caminho tomar!

são reis
280214

















Preciso habituar-me ao cair da chuva
na minha pele
a esse monólogo cadente e distante
que doravante
vai cair sempre

Preciso habituar-me ao silêncio
e à beleza de uma pingo de chuva

Não é uma lágrima
não tem tanto sentimento
mas anda perto
É pura como ela
e na pior das hipóteses
alivia o sofrimento

são reis
270214

























A tua mão na minha mão
ambas as nossas mãos
cerradas e coniventes
esventrando noites
plantando sementes
sendo assim tão simplesmente
um abraço dado
onde o corpo empresta a voz
sendo apenas eu
apenas tu
apenas rios ,ilhéus
desaguando na mesma foz

são reis
270214



































O TEU OLHAR NOS MEUS OLHOS

Sempre onde tu estás
Naquilo que faço
Viras-te agarras os braços

Toco-te onde te viras
O teu olhar nos meus olhos

Viro-me para tocar nos teus braços
Agarras o meu tocar em ti

Toco-te para te ter de ti
A única forma do teu olhar
Viro o teu rosto para mim

Sempre onde tu estás
Toco-te para te amar olho para os teus olhos.

-- Harold Pinter *

arte de John Everett Millais (Sweetest eyes were ever seen )























Ninguém me disse
que a saudade é uma flecha ensaguentada
que esgarça e rasga o mais duro e couraçado peito

Ninguém me disse
que os incêndios são demónios soltos
em peitos já muito doídos
feitos por muitas setas ensaguentadas

Ninguém me disse
que os olhos podem sair das órbitas
e as mãos arrancarem os cabelos em desespero
que as aves podem não voltar
na próxima primavera
ou os campos se recusarem a florir

Ninguém me disse
tanta coisa
e tanta coisa passa por mim
inevitavelmente
como um comboio a quem impõem o travão
e ele simplesmente não pára
porque não consegue

Ninguém me disse
que os dias ardem como folhas de papel
consumindo todas as palavras
que não se disseram
e que as têmporas quase explodem de dor e raiva
como se o coração batesse nelas e não dentro do peito

Ninguém me disse
que as escadas do meu corpo
eram o caminho mais direito
para o inferno
e no entanto eu consumo-me
no patamar dos dias que ainda hão-de vir!...

são reis
270214






























AGORA!

Agora que encontro o silêncio feroz
e te ensino de onde venho
e de onde parto
para onde vou
porque me rasgo
Agora que as palavras se esgotam
e entre nós nada mais há
Agora posso dizer-te
que eu sou a calma
e a razão
a opulência e a paixão
sou um romântico perdedor
sou a chama de um amor

Agora que as aves se calaram
e todos os ninhos aos teus olhos recolheram
que as trovas acabaram
e o mundo está rindo de nós

Agora que as aves rumaram
a outras paragens
que as vozes se calaram
porque já choram
agora que há aragens
onde haviam os teus dedos

Agora posso dizer-te
sem segredos
Fazes-me falta!

são reis
270214


























JÚBILO NOCTURNO


Jubila a noite nos teus seios
Que à luz do espelho teu corpo quebra
Angular presença dobrada sobre o ventre
Imortal o gesto que o momento fixa.

Subtil e sensual a noite se insinua.
Entre fragrâncias e íntimas vontades
Se adensa o sortilégio das figuras.

De silêncios incandescentes os corpos
Se envolvem, na suprema vontade de se darem
Clamando o sangue uma vontade que seja
De abraçar a noite como se fora dia.

Joaquim MONTEIRO
2013-06-01
(© todos os direitos reservados)




quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014






A VERDADE PURA E DURA ! 
ACORDEM PORTUGUESES!!

As premonições de Natália Correia: 

"A nossa entrada (na CEE) vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua vocação é ser colonialista".
"A sua influência (dos retornados) na sociedade portuguesa não vai sentir-se apenas agora, embora seja imensa. Vai dar-se sobretudo quando os seus filhos, hoje crianças, crescerem e tomarem o poder. Essa será uma geração bem preparada e determinada, sobretudo muito realista devido ao trauma da descolonização, que não compreendeu nem aceitou, nem esqueceu. Os genes de África estão nela para sempre, dando-lhe visões do país diferentes das nossas. Mais largas mas menos profundas. Isso levará os que desempenharem cargos de responsabilidade a cair na tentação de querer modificar-nos, por pulsões inconscientes de, sei lá, talvez vingança!"

"Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente".

"Mais de oitenta por cento do que fazemos não serve para nada. E ainda querem que trabalhemos mais. Para quê? Além disso, a produtividade hoje não depende já do esforço humano, mas da sofisticação tecnológica".

"Os neoliberais vão tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão".

"Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores?"

"As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras derrocadas a vir". Natália Correia
Fajã de Baixo, São Miguel, 13 de Setembro de 1923 — Lisboa, 16 de Março de 1993. Todas as citações foram retiradas do livro "O Botequim da Liberdade", de Fernando Dacosta. Por: Ze Bond
Susana Lourenço, Este texto é hoje uma realidade consumada!




















Ela andava de encontro ao vento
inventando portas que ninguém via
desbravando ondas
fazendo poesia

De vez em quando cantava
mas só de vez em quando...
na restantes vezes nem se ouvia
a sua voz perdia-se na maresia
ou no piar de alguma gaivota
engolida pelo céu

Mas ela continuava a fazer
o que bem queria
moviam-na o sonho e a poesia

são reis


250214










DE RITA PAIS!!!

Tenho na boca o gosto de um amor puído, 
nos lábios a sensação de um beijo gasto, 
nos olhos uma cor de musgo cobrindo pedras esquecidas, 
nos braços o frio das estátuas em jardins abandonados, 
nos dedos o gelo dos lagos de águas paradas, e na pele que encobre as realidades obscuras latejando no corpo... ah!, na pele desse corpo vibra, em assumido paradoxo, a ardência que traz no bojo o desejo inflamado, explosivo, urgente, da consumação táctil de um amor estranho, desconhecido, esporádico talvez, mas inteiro e circularmente saciante...

© Rita Pais 2014
(ao abrigo do código do direito de autor)
(Foto: from «Je sublime», s/ identificação de autor)














MIA COUTO!!!
… me bebes
e eu me converto
na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda
mais despida.

Pudesse eu ser tu
e em tua saudade ser
a minha própria espera
Mas eu deito-me
no teu leito quando apenas
queria dormir em ti,
E sonho-te quando
ansiava ser
um sonho teu.
E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor:
simples perfume, lembrança
de pétala sem chão
onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há
depois do mar.

Mia Couto

ilustraciones_chiara fersini