NA CARNE E NA ALMA
Sinto na carne o peso dos anos
Sinto na pele a frescura que se esvai
Sinto no olhar a beleza
que aos poucos vou perdendo
amarelecendo
como uma flor que chegou no fim de vida
Dizem que é na carne que se sente
e se cresce
e que na alma permanece
tudo intacto que se queira guardar
Vou tentar arranjar um lugar
que me guarde o olhar
que me serene o rosto
que me afugente as lágrimas
Vou esperar que a minha alma
se conserve jovem
sem qualquer margem
como um cavalo selvagem
que precisa de correr
e de um prado verde para o fazer
Vou esperar que ela jamais cresça
e se saiba ser
pura na essência
frágil na inocência
e doce..muito doce....
como só uma alma sabe ser
Que saiba ser por dentro
o que eu não fui por fora
Que me adoce o olhar
que agora se esvai
que me tome os sentidos sem demora
Que saiba se fazer ponte
mesmo distante
mesmo contraditória
ausente por um instante
Que saiba a minha alma
contar a minha história
e relatar com precisão
as minhas angústias
os meus medos
guardar os meus segredos
ser fiel confidente
eterna companheira
E quando a carne
já não suportar a dor infligida
e à morte pedir guarida
que ela seja em mim
como eu fui nela
Que me guarde por dentro
num cantinho bem singelo
Não precisa nem ser grande
mas que seja o bastante
para me acolher
e aí me deixar morrer
E enquanto na carne for sentindo
aquilo que a vida trouxer
que eu saiba ir digerindo
o que a alma não quiser
E que ela me guarde o sorriso
me conserve o pouco siso
e me deixe ainda brincar
ser criança
ter esperança
na relva e chuva patinhar
aproveitar o céu, o sol, o mar
E quando a minha hora chegar
eu deixar-me-ei levar
com a certeza
de que vi tanta beleza
que na alma vou guardar...
tudo o que a carne sentiu
o olhar viu
e a alma quis para si....
São Reis
Sem comentários:
Enviar um comentário